terça-feira, 1 de janeiro de 2013



Oiço discos que magoam mas que alimentam este ego tão emagrecido.

Assim me lembro desta estória, meu filho que agora regressas, tal messias desejado e há muito abandonado por um pai aluno que esteve perdido por tanto, tanto, tão longo, demasiado. Tempo. Detesto saber o tempo, seremos imortais nestes versos que não cantamos, seremos sempre aquilo que nunca conseguimos ser, mestre e aluno, mas que tanto aprenderam juntos e afastados, como sempre se compreenderam, meu mestre, meu amigo.

Num tempo já longínquo para muitos, para mim também, para ti o mesmo, e para quase todos os que lerem estupidamente estas palavras.
Houve tal mulher que nasceu com um defeito, sua anca não mexia, fora de seu encaixe viveu durante anos e para sempre a atormentará ter dentro de seu corpo algo que sua mãe não lhe deu e que o homem lhe impôs. È essa coisa do homem que com a sua já longa idade ainda lhe permite locomover-se e trabalhar de sol a sol para sustentar um homem ingrato, alguém que perdeu o amor algures pelo caminho, num caminho poeirento pelas terras de África, numa qualquer cubata com uma negra de sangue quente ou com as mulheres que o traíram e o abandonaram, sorte tem de há mais de trinta anos  essa mulher cansada tomar conta de si.
Casou jovem, e ainda mais jovem enviuvou, numa estória que para mim é perfeito nevoeiro, conheci alguns actores em pequeno, foram quase todos levados pelo ceifeiro, de pouco tenho lembrança, lembro o velho Cláudio sentado numa cadeira velha de café na esplanada junto à estrada, daquelas de platex com uma folha envernizada imitar uma qualquer madeira exótica e as pernas de ferro em que a ferrugem se mistura com a ressequida tinta preta que as salpica, nessa mesma cadeira foi levado, sem aviso nem brio, levado, apenas isso. Levado.
A essa pequena mulher quase tudo foi negado, carinho, amor, atenção, um marido que desde à muito não tem interesse, um enteado que criou como filho e que ingratamente a abandonou e criou família sem dar de nada a ninguém, esta mulher de pequena estatura, de enorme peito, tudo perdeu sem nunca nada ter. Até seu próprio filho, tão desejado por ela, tão amado e incompreendido por seu pai, como alguém que não confia nos seus próprios sapatos pode confiar num outro ser, quanto mais compreendê-lo, compreender quanto a musica faz andar a alma, o quanto a poesia pode ser reconfortante e uma agulha enterrada no peito ao mesmo tempo. Seu filho a abandonou, numa procura desesperada por amor, carinho e atenção sempre nos locais errados, seu filho é um amante da solidão, amarrado por tantos vícios, desde amar a mais bela das mulheres às mais duras das drogas ele se perde, sua mãe sempre triste, sua mãe sempre em pânico, sua mãe sempre com ele no peito, seu filho, tão desejado.
O sol nasce devagar pela janela, memórias voltam. Memórias vão.
A esta hora já trabalha no meio da merda de pessoas que estão à espera da morte, lida com doutores e gentes da terra, atura tudo e volta sempre com um sorriso, como consegue, que tamanha força move este pequeno ser. O que a trás de volta, porque razão nunca fugiu?!
Quem verdadeiramente ama tudo sacrifica.

Esta mulher é minha mãe.

Sem comentários: