Oiço discos que magoam mas que
alimentam este ego tão emagrecido.
Assim me lembro desta estória,
meu filho que agora regressas, tal messias desejado e há muito abandonado por
um pai aluno que esteve perdido por tanto, tanto, tão longo, demasiado. Tempo.
Detesto saber o tempo, seremos imortais nestes versos que não cantamos, seremos
sempre aquilo que nunca conseguimos ser, mestre e aluno, mas que tanto
aprenderam juntos e afastados, como sempre se compreenderam, meu mestre, meu
amigo.
Num tempo já longínquo para
muitos, para mim também, para ti o mesmo, e para quase todos os que lerem
estupidamente estas palavras.
Houve tal mulher que nasceu com
um defeito, sua anca não mexia, fora de seu encaixe viveu durante anos e para
sempre a atormentará ter dentro de seu corpo algo que sua mãe não lhe deu e que
o homem lhe impôs. È essa coisa do homem que com a sua já longa idade ainda lhe
permite locomover-se e trabalhar de sol a sol para sustentar um homem ingrato,
alguém que perdeu o amor algures pelo caminho, num caminho poeirento pelas
terras de África, numa qualquer cubata com uma negra de sangue quente ou com as
mulheres que o traíram e o abandonaram, sorte tem de há mais de trinta anos essa mulher cansada tomar conta de si.
Casou jovem, e ainda mais jovem
enviuvou, numa estória que para mim é perfeito nevoeiro, conheci alguns actores
em pequeno, foram quase todos levados pelo ceifeiro, de pouco tenho lembrança,
lembro o velho Cláudio sentado numa cadeira velha de café na esplanada junto à
estrada, daquelas de platex com uma folha envernizada imitar uma qualquer
madeira exótica e as pernas de ferro em que a ferrugem se mistura com a ressequida
tinta preta que as salpica, nessa mesma cadeira foi levado, sem aviso nem brio,
levado, apenas isso. Levado.
A essa pequena mulher quase tudo
foi negado, carinho, amor, atenção, um marido que desde à muito não tem
interesse, um enteado que criou como filho e que ingratamente a abandonou e criou
família sem dar de nada a ninguém, esta mulher de pequena estatura, de enorme
peito, tudo perdeu sem nunca nada ter. Até seu próprio filho, tão desejado por
ela, tão amado e incompreendido por seu pai, como alguém que não confia nos
seus próprios sapatos pode confiar num outro ser, quanto mais compreendê-lo,
compreender quanto a musica faz andar a alma, o quanto a poesia pode ser reconfortante
e uma agulha enterrada no peito ao mesmo tempo. Seu filho a abandonou, numa procura
desesperada por amor, carinho e atenção sempre nos locais errados, seu filho é
um amante da solidão, amarrado por tantos vícios, desde amar a mais bela das
mulheres às mais duras das drogas ele se perde, sua mãe sempre triste, sua mãe
sempre em pânico, sua mãe sempre com ele no peito, seu filho, tão desejado.
O sol nasce devagar pela janela,
memórias voltam. Memórias vão.
A esta hora já trabalha no meio
da merda de pessoas que estão à espera da morte, lida com doutores e gentes da
terra, atura tudo e volta sempre com um sorriso, como consegue, que tamanha
força move este pequeno ser. O que a trás de volta, porque razão nunca fugiu?!
Quem verdadeiramente ama tudo
sacrifica.
Esta mulher é minha mãe.
Sem comentários:
Enviar um comentário